Viver tem seus mistérios. A cada dia nos deparamos com perdas e é preciso superá-las para seguir em frente. A história da escritora Luciene Freitas nos impulsiona a enxergar como podemos dominar os traumas do passado. “Nos meus romances sempre têm algo sobre mim, através do perfil ou algum personagem que vai botando os meus demônios para fora e o sofrimento que passei. Eu amadureci muito cedo, bem pequena eu já sabia quem dava e quem não dava, como diz o poema: “Eu quando olho nos olhos, sei quem está por dentro e quem está por fora. Quem está por fora não segura um olhar que demora”. Aprendi na dureza”, recorda.
Aos 73 anos, Luciene é viúva e tem três filhos, é formada em Letras com pós-graduação em Língua Portuguesa e já publicou 18 livros. “Sou professora aposentada, escrevo, participo de eventos e faço palestras. Tenho dois livros de romance, quatro de contos, três de poesia, quatro de poemas infantis, um de pensamentos, reflexão e uma pesquisa. Integro a Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciência; a Academia de Letras e Artes do Nordeste; e a Academia de Letras do Brasil, a qual fui presidente fundadora”, detalha.
Longe dos pais separados, Luciene passou a infância com os avós maternos no município de Brejo da Madre de Deus durante 12 anos, aos 14 morou com a mãe no Recife, três meses depois se mudaram para Vitória. “Esteio para mim foram os meus avós que me deram o adubo, meu sustentáculo para prosseguir. Quando a minha mãe se separou do meu pai ela não quis mais nenhum contato com ele que era de outro estado. Das duas vezes que eu o vi de longe ela me fez tanto medo que eu me escondia debaixo da cama até ele ir embora. Nessa época eu fui ficando muito calada, apenas vendo as coisas acontecerem sem reagir”, relembra.
De volta ao passado, Luciene conta que já tolerou humilhação de estranhos e familiares. Ela recapitula cenas de perseguição que sofreu de um padre e uma prima. “No interior os padres eram endeusados. Quando eu tinha cinco anos, ainda bem falante, um padre me botou no colo e me deu um cheiro no pescoço, eu empurrei a cabeça dele, ele não gostou, ficou intrigado de mim, me colocou para fora da cruzada, uma associação religiosa que tinha reuniões, brincadeiras e pastoril. Tempos depois descobri que ele era pedófilo. A minha prima mais velha que também era minha madrinha de apresentação implicava comigo e zombava de mim, inclusive ela rasgou as fotografias que tinha do meu pai a mando de minha mãe”, revela.
Luciene traz detalhes da época em que morou com a mãe e foi maltratada por uma desconhecida amiga dela, o que a levou a trabalhar mais cedo. Enfrentou uma vida de rejeição e vulnerabilidade. “Foram sete anos quase no inferno, ela batia em mim sem motivos. Com 16 anos trabalhei num escritório de contabilidade, no primeiro ano do ginasial ensinei Matemática e Português aos colegas para ganhar seis cruzeiros por mês. Também passei por uma loja, onde conheci o meu marido que era filho do dono do estabelecimento. Eu era a pessoa lilás dentro de uma história amarela, sempre por fora, não me enquadrava porque não achava espaço e se fosse para chegar num canto e ser pisoteada eu nem ficava, então me retraia e reprimia. Muitas vezes me sentia um traste quando diziam: "eu mando você para o seu pai, mando entregar você a sua mãe", como um objeto”, explica.
O gosto pela leitura fez Luciene se encantar pelo universo dos livros e encontrar um refúgio diante dos conflitos e complexos que enfrentava. “Sofria bullying na escola, mas não me incomodava nem me vitimava ou me excluía, brincava com as meninas que gostava. Costumo dizer que a escola me salvou de muita coisa porque sempre gostei de aprender, levava livros para casa nos finais de semana, principalmente por ser uma criança sem irmãos, na casa de adultos que costumavam ler, me entretinha com a leitura, depois comecei a escrever”, relata.
Mais de 27 anos trabalhando como professora, Luciene já ganhou quatro prêmios na Academia Pernambucana de Letras e três na Itália. Mesmo com uma história de vida conturbada, ela se considera uma mulher totalmente positiva. “Uma vez minha mãe disse: eu tomei um remédio para vê se tu morrias e esse troço só fez engordar. Dói ouvir isso, mas segui em frente. Já planejei me matar porque ficava pensando e questionava a Deus qual o propósito de eu nascer se a minha mãe não me queria nem o meu pai. Por que me jogar no mundo numa situação dessas? Mas graças a Deus que mudou e hoje mostro tudo isso no trabalho. Aprendi que a vida é uma luta que só nos resta ir em frente”, conclui.
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