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  • Foto do escritorDanielle Lins

365 dias de pura ilusão e falso romantismo

Atualizado: 29 de jun. de 2020



A internet foi à loucura essa semana com a estreia de um filme polonês disponível na Netflix. Há quem compare como a versão melhorada de um outro filme bem conhecido “50 Tons de Cinza”. A mulherada então, ficou obcecada pelo ator principal. Despertou a minha curiosidade, encontrei no catálogo da Netflix entre os Top 10 no Brasil. Ual!! Tá bombando!


Como aqui no blog o nosso lema é “Seja uma mulher que levanta outras mulheres”, lá vou eu em busca de informações sobre “365 DNI” (Original) ou “365 Dias” para entender toda essa euforia digital e não simplesmente seguir a manada, né? hahaha... Neste artigo vou contar um pouco da história do filme e compartilhar a minha visão sobre ele. Vem comigo!


A obra cinematográfica é baseada numa trilogia da escritora polonesa Blanka Lipinska, de acordo com a sinopse, “365 Dias” narra a história de Laura Biel (Anna-Maria Sieklucka), uma diretora de vendas que tem sua vida virada do avesso quando, em uma viagem a Sicília (Itália), Massimo Torricelli (Michele Morrone), um jovem membro da família da máfia siciliana, sequestra a moça lhe dando 365 dias para se apaixonar por ele. Tcharan! É nome do filme.


Em resumo, o galã é um mafioso italiano, o típico “moreno, alto, bonito e sensual”, que chama atenção pelo seu porte másculo e viril, e usa da posição de poder e dinheiro para raptar uma jovem executiva e mantê-la em cárcere privado, por um ano, tudo em nome do “amor”.


Já a nossa heroína Laura é apresentada como uma mulher firme, determinada e bem sucedida profissionalmente, só um pouco frustrada no relacionamento amoroso. Nas primeiras cenas ela não aceita a atitude do rapaz, fica assustada com a postura criminosa dele, principalmente ao testemunhar um assassinato, resistindo e evitando os encantos do morenaço o quanto pode. Porém, no desenrolar da trama, a tal mulher forte se deixa levar pela paixão, começa a usufruir do dinheiro do mafioso (supostamente oriundo de crimes e tráfico de entorpecentes), desfazendo a imagem da mulher que não se deixa ser influenciada.


Laura, já rendida à paixão, exagera no consumismo, são compras e mais compras, a figura da mulher que se resume em: festas, passeios, viagens, iates, funcionários à disposição; uma vida de luxo conquistada pela exploração do corpo feminino, traduzindo: mulheres podem ser compradas.


Fico aqui pensando, se o cenário dessa história “romântica” não se passasse nos lugares lindos da Itália e fosse numa periferia (nada contra), teria todo esse glamour, ostentação e clima de romance?


Para completar, nossa protagonista que foi sequestrada no dia do próprio aniversário, dopada e mantida presa, confessa que não precisa de 365 dias para se apaixonar, pois como era de se esperar, já está apaixonada pelo “boy magia” italiano. Que bonitinho! Eles formaram um casal apaixonado, saem às ruas, esbanjam dinheiro, ele controla os passos da amada, as roupas que ela usa, um relacionamento bem saudável. SQN!


Esse laço afetivo que surge entre eles e o filme retrata como amor, para os especialistas se trata da Síndrome de Estocolmo, um estado psicológico criado por vítimas de abusos quando são mantidas por um longo período intenso de intimidação. Passam a desenvolver simpatia, amizade ou amor pelos abusadores, de forma inconsciente e irracional, funcionando como um mecanismo de defesa para amenizar as tensões existentes durante o período de conflito.


Outro ponto importante a destacar é a exploração do corpo da mulher. O personagem Massimo parece estar mais obcecado pelo corpo da protagonista do que pela pessoa em si, principalmente porque eles nem se quer conversam ou mantem um diálogo profundo, diferente do que acontece num relacionamento, há mais desejos sexuais do que interesse em conhecer o outro. Apesar de ele afirmar não ter a intenção de fazer nada contra a vontade da bela Laura, na prática não é assim. A gente se depara com “mão boba” pelo corpo e partes íntimas da mulher sem consentimento, um exemplo de abuso sexual. Sem contar os puxões no braço e aperto no pescoço que ela sofre, né?


A mulherada gamou no sequestrador italiano, muitas fantasiaram querer a mesma vida de Laura rsrsrs... algumas até reproduziram falas que corroboram com a cultura do estupro (comentários nas mídias sociais, tá?). Os solteiros que se satisfazem com esse tipo de filme devem ter aproveitado. E isso nem vem ao caso, seja mulher ou homem, cada um sabe o que faz da vida, não é mesmo? Desde que seja de forma consciente e não se deixe levar apenas pela onda do momento, muito menos não enxergar o que é dito nas entrelinhas da ficção.


Tá, concordo que Massimo é um gato!! Ele consegue expressar a masculinidade através do corpo escultural enquanto a trama vai seguindo, mas querer romantizar o agressor para mascarar os abusos físico e psicológico, o sequestro da vítima, e as atitudes autoritárias e dominantes dele, aí já é demais! Então quer dizer que nós mulheres podemos ser reduzidas ao tipo de mulher que não se posiciona por se render à beleza física de um homem e ao luxo que ele tem a oferecer?


A problemática está na construção de narrativas como essa que se utilizam de assuntos polêmicos e delicados da sociedade para transformar numa obra envolvente, ao ponto de se tornarem fanfics (“ficção de fã”), são romantizadas e suavizadas com um rostinho bonito na tela. Seria cômico se não fosse trágico, a mesma sociedade que defende a valorização da mulher é a mesma que se deixa seduzir por produtos midiáticos de cunho romântico que esbanjam uma vida de luxo e poder conquistada pelo submundo do crime.


Mas por que o filme é um dos mais assistidos pela plataforma de streaming? Porque a maioria das pessoas está pouco se importando com valores, princípios, moral, ética ou qualquer discussão que valorize a figura feminina, muito menos está procurando edificar seus relacionamentos amorosos com romances leves e sadios que tragam lições. O interesse maior é gastar energia e se entreter com filmes conhecidos como soft porn (possuem um enredo fraco mascarado por cenas de nudez e de sexo não explícitas). Além do quê a obra repete a fórmula clichê de “um mundinho dos sonhos”, em que o ator principal apresenta o estereótipo de homem bonito e bem sucedido que manda e desmanda, romantizada com cenas picantes que, segundo a Netflix, são eróticas e não consideradas pornográficas, indicada para maiores de 18 anos.


A narrativa é fraca, muitas vezes “sem pé nem cabeça”, a gente encontra um homem que força a mulher a ter um relacionamento que é abusivo e se apaixonar por ele, em paralelo uma personagem deslumbrada com a vida de riqueza e a possibilidade de satisfazer os seus desejos mais íntimos em uma paixão intensa e, consequentemente, suprir a sua carência afetiva.


Confesso que esperava mais da personagem Laura no quesito posicionamento para reverter a posição em que ela foi imposta, até porque a obra foi baseada no livro escrito por uma mulher. Ah, eu não teria problema algum em torcer para um final feliz entre os personagens, até porque sou admiradora de romances românticos, principalmente os romances policiais e de época. Mas como ter uma opinião diferente se a obra claramente enfraquece qualquer luta de valorização à mulher e nem se quer oferece um enredo decente e interessante? Faço minhas as palavras da personagem Olga, a melhor amiga: “Laura está presa em uma gaiola de ouro, mas continua sendo uma gaiola”. Entendeu?


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