Desde 2007, a Secretaria da Mulher de Pernambuco formula, desenvolve, articula, coordena, apoia e monitora políticas públicas para promover a melhoria das condições de vida das mulheres no estado. Através da secretária Silvia Cordeiro, médica sanitarista formada pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) e militante feminista, com atuação destacada há mais de 30 anos junto a grupos populares de mulheres de diversas categorias, atinge os segmentos da população feminina, em idade reprodutiva e madura, dos espaços urbanos e rurais. Fundadora e ex-coordenadora do Centro das Mulheres do Cabo de Santo Agostinho, Silvia integrou a Rede Mulher e Democracia, iniciativa de lideranças do movimento de mulheres e feministas do Nordeste que tem o objetivo de fortalecer e ampliar a participação e representação política das mulheres.
Participou também do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social (CEDES) do Governo de Pernambuco entre os anos de 2010 e 2011, e integrou ainda o Comitê da Ação Regional na América Latina, voltado ao empoderamento de mulheres populares e diversas em países como o Brasil, Colômbia, Equador e Peru. O reconhecimento da sua militância feminista fez com que participasse de diversos conselhos e diretorias de ONGs feministas e mistas, a exemplo do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia e do Conselho Fiscal da GESTOS - Comunicação, Gênero e Soropositividade.
Em 2013, foi nomeada Secretária da Mulher do Recife e eleita para exercer a coordenação do Fórum Metropolitano de Gestoras de Organismos de Políticas Públicas para as Mulheres. Em 2015, assumiu o desafio de chefiar a Secretaria da Mulher de Pernambuco (SECMULHER-PE). Confira a seguir, a entrevista com a secretária da Mulher do Estado, Silvia Cordeiro. Conheça um pouco da história dela e do trabalho desenvolvido pela Secretaria em prol à população feminina.
Como se dá o contexto histórico da luta das mulheres pelo espaço na sociedade?
Silvia: A história da luta das mulheres no mundo, do feminismo, remonta quase dois séculos. O marco desse primeiro ciclo é com a Revolução Francesa. As mulheres francesas participaram intensamente, uma delas foi Olympe de Gouges que morreu depois de ser guilhotinada, exemplo de mulher e de liderança política. Ela quem escreveu a primeira declaração dos direitos das mulheres. Já a primeira onda do feminismo no mundo e no Brasil foi a luta do voto, a luta da mulher pelos direitos das mulheres, mostrando a desigualdade entre homens e mulheres, liberdades civis, direito à propriedade, direito à herança. Mais recentemente a terceira onda é a nossa luta pelo “nosso corpo nos pertence”, o direito sobre decidir a engravidar ou não, a discriminação do aborto, os direitos reprodutivos, direitos sexuais. A gente conquistou muitos espaços e isso foi uma grande trajetória de muitas lutas.
O termo feminismo tem se colocado muito em pauta hoje em dia, mas qual a sua definição de feminismo?
Silvia: Então, o feminismo é uma filosofia, uma teoria política que colabora para a mulher entender a sua condição feminina, o estar no mundo. O feminismo coloca o mundo público como sendo também das mulheres, não só o mundo da casa, o mundo do lar, o mundo do privado. O feminismo politizou o ambiente doméstico, ele diz para a sociedade que a gente tem a dupla jornada, nós trabalhamos fora de casa e dentro da casa para manter a família, as relações familiares. O feminismo evidencia e enfrenta a questão do machismo, uma cultura patriarcal dominante que construiu que o lugar da mulher já está definido, é imutável e que os homens têm o lugar de poder e as mulheres o lugar secundário no mundo, então o feminismo veio rebelar isso e dizer que a sociedade é constituída por homens e mulheres.
Quais os avanços da mulher moderna?
Silvia: A gente continua vivenciando as desigualdades, mas podemos sim dizer que várias gerações de mulheres conseguiram se reposicionar no mundo de outra forma e inspirar outras mulheres. As mulheres hoje estão estudando mais, passando mais em concursos, estão em lugares de destaque, de poder, e elas devem isso a todo esse percurso, isso não foi dado e nem dádiva dos governantes, isso foi uma conquista. Estar nessa secretaria é uma conquista do movimento de mulheres e do movimento feminista, é uma conquista do movimento social de mulheres, significa dizer em plena democracia que o Estado tem que ser para todo mundo: homens e mulheres. Hoje tem mais mulheres assumindo profissões antes ditas masculinas, têm muitas fazendo ciência, porque existem alguns mitos de que mulher não gosta de matemática, não gosta de dirigir, “ah isso aqui é coisa de homem”, então esses mitos já foram desconstruídos.
Diante desses avanços o que falta mais para a mulher conquistar?
Silvia: A gente quer uma democracia representativa de fato. Lutamos e conseguimos a cota de gênero, uma estratégia para se chegar à igualdade porque para entrar mais mulheres na política tem que sair homens. Isso vai fazer com que mais mulheres se interessem pela política, até então era para cumprir a lei. É importante o direito à herança, o direito à previdência. As pensionistas do Brasil não são as mulheres dos coronéis, dos empresários, mas sim a massa trabalhadora de salário mínimo. É cruel uma costureira aposentada ter que escolher entre a aposentadoria do seu trabalho e direito da pensão do seu companheiro morto. A gente quer conquistar que esse homem, o qual violou a mulher, não só seja preso, ele tem que responder, submeter a uma regra de conduta, o que não pode é ficar impune. Todo crime tem que ter resolutividade rápida, mas o crime contra mulheres sempre é mais demorado de se resolver.
Como o Estado deve se colocar diante das políticas públicas para mulheres?
Silvia: O Estado tem as políticas universais tipo Saúde, Educação, assistência a todas as pessoas, mas esse universal ele é construído por diferentes, então nós mulheres precisamos de políticas públicas específicas para a gente. Precisa de mais creches, da igualdade salarial quando se desempenha o mesmo trabalho que o homem, estar segura na questão do assédio sexual e moral no trabalho. A gente precisa de uma segurança que compreenda como se estrutura a violência contra a mulher, de rede de serviços, de muita prevenção, dialogar com a Educação para que as novas gerações tenham a oportunidade de se informar sobre o assunto, de delegacias especializadas, de marcos legais que digam: Bater em mulher é crime, matar a mulher não é apenas um homicídio, é um homicídio qualificado, é um feminicídio. As mulheres precisam muito do Estado, nós somos a maioria da população e somos sub-representadas, não é uma reclamação, é uma constatação.
Hoje temos nos deparado com a questão do empoderamento feminino. Mas como funciona esse processo?
Silvia: Empoderamento é uma palavra muito pesada, de origem inglesa, mas é um processo das mulheres se reconhecerem no lugar que estão e para aonde querem chegar. É uma questão de ela dar o limite, de sair de uma condição que ela não está tão bem para uma condição que vai crescer, principalmente por conta dela e pelas outras mulheres. E aí, ela vai conquistando o seu lugar no mundo, no trabalho, dentro de casa, nas relações afetivas sexuais, na educação dos seus filhos, vai ter a oportunidade de pensar sobre o assunto, mas não significa que toda mulher tem que fazer isso. Ninguém empodera ninguém, você só começa o processo de empoderamento quando assume a sua identidade, reconhece o lugar que você está economicamente, desenha seu projeto de vida, o projeto social, mas para isso ela precisa do Estado, da sociedade e de oportunidades.
Qual o seu perfil de Mulher de Expressão?
Silvia: Eu sou uma mulher que tem uma história de vida, sou mãe solteira, médica de formação e feminista. Tenho 63 anos, uma filha, sou avó de dois netos, uma neta e um neto, e me construí como pessoa, sou responsável por mim, fiz minhas escolhas de vida com mais autonomia e independência. Gostava da minha vida profissional de médica, mas escolhi fazer o movimento social de mulheres, o que me dá muita alegria e satisfação. Eu estou aqui por uma causa e não por status. É importante ter cargo, estar no cargo e estar aqui é o reconhecimento de uma vida pública que eu construí em favor dos direitos das mulheres.
Com forte destaque como militante feminista atuando há mais de 30 anos, quando e como surgiu seu interesse em prol das mulheres?
Silvia: Eu sou filha de uma família muito grande, minha mãe teve 19 gestações, cinco morreram e ficaram 14, agora somos 11. Sempre como adolescente e criança me coloquei de forma diferente de ver, as mulheres tinham uma função dentro de casa e os homens tinham outra. Desde cedo eu me interessei por política, movimento social, justiça e aí fui desenvolvendo essa minha personalidade que casou certinho com o feminismo. Ingressei no movimento estudantil na faculdade e lá fui me envolvendo mais com a questão, foi onde eu li Simone de Beauvoir. Meu ex-companheiro fazia Sociologia e a gente participava de grupos de estudos para discutir o marxismo e daí para discutir o feminismo foi um passo. A minha decisão de fazer Medicina era muito mais de me desprender daquela história dos cursos mais femininos para passar mais tempo fora de casa estudando. Fiz muita coisa dentro do movimento social, comício em rua, cheguei ao Cabo de Santo Agostinho em 82, estava grávida da minha filha, também trabalhei no Sertão com os sindicatos rurais.
Quais os desafios encontrou ao longo desses anos?
Silvia: É uma situação muito desafiadora porque as cobranças são muitas e os preconceitos, é a cobrança de ter sido mãe solteira, de trabalhar a noite, dar plantão essas coisas que são do processo cultural e social. Mas também era admirada por isso, porque tinha minhas ideias próprias, eu era dentro da família quem ia para o embate com o meu pai. Trabalhei cedo, saí de casa cedo, fui fazendo o meu caminho. É uma vida de muitos aprendizados, de muitos obstáculos, mas acima de tudo de muito retorno. Hoje aos 63 anos ser avó é uma delícia, olhar para minha filha e ver que ela é uma aliada dessa mãe que passa valores importantes para a criação dos meus netos, acho que deu certo, e isso para mim é um indicador de resultado.
É mais fácil lutar em favor das mulheres exercendo o cargo de secretária da Mulher do Estado? Por quê?
Silvia: É mais complexo. Nada para as mulheres é fácil nem para as prostitutas que dizem ter vida fácil. A gente quando vem para o Estado tem que entender como ele funciona, o seu marco legal, o seu arcabouço institucional, a metodologia de governança para propor a esse Estado novas formas de fazer igualdade racial, políticas de mulheres, política LGBT. Hoje a gente tem interlocutores nos municípios. É muita luta para a agenda e no momento de escassez a gente resiste. Nessa crise, o governador poderia dizer: só vai ter Segurança, Educação e Saúde, pagar o salário do povo, pegar tudo que é política de segmento e colocar em um lugar só, mas continua fazendo a Secretaria da Mulher, então a gente ganhou pertinência nesse modelo de governança.
Quais os trabalhos que a Secretaria tem feito em valorização da mulher pernambucana?
Silvia: A Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco compreende que a gente trabalha com as populações femininas, da criança do sexo feminino à anciã de cento e poucos anos. Promovemos os direitos das mulheres em Pernambuco, da capital até o Sertão. A estratégia foi fortalecer município por município, criar as coordenadorias da mulher nesses lugares. Pernambuco é um estado em que todo o município tem um organismo, inclusive Vitória de Santo Antão tem. Na questão de gênero a gente precisa ter profissionais da saúde que entenda do assunto, inclusive estamos batalhando na assembleia junto à Comissão de Direitos da Mulher para apresentar uma lei em que os concursos públicos do Estado tenham a matéria gênero porque o promotor, auditor e o delegado têm que ter conhecimento.
Como tem sido o trabalho da Secretaria dentro das escolas?
Silvia: A Secretaria da Mulher tem um trabalho muito importante com a Educação. Nós temos os núcleos de estudo de gênero na escola de Ensino Médio, que juntam educadores, os estudantes e a direção da escola para pensar sobre essas relações de poder entre homens e mulheres e desconstruir a ideia de que homem é mais forte do que mulher, que pode tudo e mulher pode nada. Através da ação Maria da Penha na Escola, os municípios fazem junto às crianças do Ensino Fundamental e à comunidade escolar, construir com as professoras como identificar uma menina que está numa situação doméstica de risco, passando por violência doméstica, como pedir ajuda. Não é questão de uma cartilha para decorar, é o processo de entender que aquele é um problema da escola e por meio dessa ação se discute todos os tipos de preconceito: preconceito racial, de orientação sexual, de valorar a menina.
Como ser neutra e defender a causa das mulheres dentro de uma Secretaria do Estado?
Silvia: Eu sou feminista e favorável ao aborto, mas eu estou no Estado e o Estado só atende as mulheres nessa situação em três condições: estupro, risco de morte para a mulher e na questão da microcefalia, então não adianta eu dizer: “aborte livremente”, porque eu estou no Estado, eu tenho minha opinião, mas aborto é uma questão de saúde pública também. A mulher tem o livre arbítrio de abortar, no sentido da lei ela tem que ser informada. Têm questões que são dilemáticas mesmo e tem que alguém tomar de conta.
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